segunda-feira, 19 de outubro de 2009

a menina suja



- Você já subiu na torre do Banespa?
- Não...
- Ah... ótimo! Vamos?
- Agora!

Com a barriga cheia de baião de dois, as mãos de sacolas de livros de sebo, e a cabeça das histórias da viagem do Fábio à Machu Pichu, essa foi a menos cansativa opção que achamos pra preenchermos o restindo de nossa tarde de andação pelo centro de São Paulo. Eu, como sempre, estreando alguém nesse ponto turístico da cidade.
Já na fila em frente ao corredor dos elevadores, após apresentarmos documentos e guardarmos a sacolaiada, me peguei tentando desvendar se aquela pessoa, também visitante, agora no balcão, era do sexo feminino ou masculino. Era uma pessoa magra; cabelo pelo meio das costas, claro, liso, entradas raspasdas e extremamente sujo; calça preta, bailarina daquelas de coton, não de lycra, bem surrada; camiseta preta, de guerra, com alguns furos; allstar vermelho no fim da vida; na orelha, um pedaço de madeira de uns 10cm de comprimento e 1 de diâmetro fazendo o papel de alargador. Me senti à vontade para observá-la por instantes, já que as costas do Fabiano me abraçando davam conta de esconder a direção do meu olhar. Meu questionamento cessou ao ver a figura de frente... Tinha belos traços: olhos grandes e verdes e pele bem clara. Em milésimos de segundo a imaginei limpa e "melhor vestida"... Teria quase pinta de modelo.
- Só vocês três? É... parece que sim.
A segurança fechou a porta do primeiro elevador e subimos quase em silêncio...
- Ah... se somos só nós três, tomara que nos deixem ficar uns minutinhos a mais... rs. - Disse quase cochichando a ele.
No próximo elevador o silêncio permaneceu; mas o espaço mais apertado que o anterior me fez ficar ainda mais perto dela e... "esse cheiro é impressão minha... ilusão por causa da imagem..." Na sala onde esperamos a autorização para subir, sentei; Fabiano e a moça gastaram esses minutos olhando as fotos que contam a história do edifício. Sentada, discretamente a olhava de vez em quando; tinha trejeitos delicados, movimentos suaves, seria provavelmente dessas pessoas que a fala me põe pra dormir (não pelo tédio, mas pelo conforto e suavidade). Alguns que desceram da turma anterior e esperavam o restante a olhavam de cima a baixo; meninas limpinhas e arrumadinhas - os olhos não escondiam o estranhamento/reprovação.
- Ah, são só vocês? Só um instante que os últimos já estão vindo...
Ao subirmos, puxei Fabiano imediatamente para a direção leste:
- Vou te provar como dá pra ver minha casa! Hahaha... Veja, ali está a estação Pedro II do metrô... agora siga a linha do metrô! Hahaha...
- Ah sim, claro! Sua casa está logo ali... hahaha
Por instantes ele se absorveu na paisagem nublada e poluída da cidade.
- Preciso de um binóculo! Aí sim veremos minha casa... haha... Me lembro de ter visto um aqui em algum lugar da última vez...
Deixei-o absorto e virei-me para procurar o tal binóculo contornando a torre. Dei de cara com ela. Nesse instante senti-me paralisada por alguns milésimos de segundos... Ela me sorria. Um sorriso verdadeiramente simpático, com dentes e olhos (e que belos dentes da guria!)... Como quem sorri a um vizinho apesar de desconhecido, querido. Sorria de um jeito que não se sorri a estranhos. Sorria de um jeito que não se sorri em uma megalópole onde o cotidiano é ditado pelo horário comercial, e as relações pelo medo do "perigoso desconhecido".
Por mais vivo que este momento tenha ficado em minha mente, não consigo me lembrar se eu correspondi ao sorriso ou não...

- Já dei a volta ou você mudou de lugar? Hahaha...
- Você já deu a volta tontinha... hahaha
- Pessoal, vamos? Deu o tempo.
Ao fim da escada, na sala de espera, ouvi comentários das seguranças que perfeitamente se encaixariam caso estivessem comentando sobre a menina... Mas não ouvi o suficiente para tal afirmação. Então preferi não fazê-la nem mesmo a mim.
Descemos quase como subimos, a não ser por alguns comentários que fazíamos, eu e Fabiano, entre nós.
No balcão da recepção, pegando nossas tralhas, a vi seguir para a direita, onde mais de uma dezena de hippies artesãos tomavam a rua. "Ah sim... óbvio! Deve estar com eles..." Pensamento que não durou mais que segundos... "Dã! Quem te garante?! Você não viu o suficiente..." E minha conciência tinha razão. Pegamos nossas coisas, saímos do prédio e viramos à esquerda.
Não a vi mais. E absolutamente nenhum comentário foi tecido a respeito da moça.

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