quarta-feira, 5 de agosto de 2009

ponto zero



eu que costumava ver pela parede,
me acostumei ao nevoeiro a um palmo do nariz.
eu que costumava harmonizar notas perdidas,
me acostumei aos desafinos dos meus gritos.
eu que costumava colorir com dentes e braços,
me acostumei a dias cinzas e a cinza ser.
eu que costumava esbanjar sangue...
sinto-me tentada a acostumar-me a essa casa fria...

mas eu, que costumava acostumar-me a tudo,
aprendi a cavar túneis.
aprendi a ressurgir.

há algum tempo



não há mais lágrima,
apenas tinta.
sim, eu choro tinta!
porque desejo ardentemente o que mais temo.
mas dia a dia faço as pazes com a ausência.

e enquanto estou aqui,
vou caiando minhas dores
com silêncios doídos e palavras enfeitadas.
e enquanto finjo sanidade minha loucura cresce, assusta, domina...
porque a loucura que desejo não é essa incompleta... sem propósito.

e toda essa cor é só cortina.
e todo esse som é só barulho.
e a poesia é o grito.

domingo, 2 de agosto de 2009

Alfonsina y El Mar





Composta pelos argentinos Ariel Ramírez e Félix Luna, e interpretada aqui por Mercedes Sosa, esta canção que já me arrepiava corpo e alma antes mesmo de conhecer sua história, é uma homenagem à poetisa argentina Alfonsina Storni, que suicidou-se aos 46 anos de idade, em 23 de outubro de 1938, fazendo um caminho sem volta para dentro do mar da cidade de Mar Del Plata. A seguir, o poema que Alfonsina escreveu pra se despedir do mundo:



Voy a Dormir

Dientes de flores, confía de rocío,
manos de hierbas, tú, nodriza fina,
tenme puestas las sábanas terrosas
y el edredón de musgos escardados.

Voy a dormir, nodriza mía, acuéstame.
Pónme una lámpara a la cabecera,
una constelación, la que te guste,
todas son buenas; bájala un poquito.

Déjame sola: oyes romper los brotes,
te acuna un pie celeste desde arriba
y un pájaro te traza unos compases
para que te olvides. Gracias... Ah, un encargo,
si él llama nuevamente por teléfono
le dices que no insista, que he salido...

sábado, 1 de agosto de 2009

enlalmeada



de que me adianta tanta alma?
porque nada me pertence e a ninguém pertenço
a não ser àquele que me ama de verdade...

de que me serve tanto ardor?
porque nasci e vivo onde sonhos não são molas...
são enfeites!

de que me serve tanta dor?
beleza não mata minha fome.

e assim vamos:
inventando porquês pra por quês irrespondíveis
e fazendo dessa a nossa casa, o nosso abrigo.

mas rebelde nasci e ainda sou!
e com minha alma, ardor e fome,
tomo meu rumo pra outras bandas!
porque a base dessa casa é lama,
e não há quem vença limpá-la!